Apesar de a prática odiosa do “bullying” afetar um enorme número de crianças e adolescentes na escola, o problema não é suficientemente discutido. Mas há projetos a respeito no Senado © Foto: Agência Senado

A odiosa prática, nas escolas, do bullying — intimidação, humilhação por xingamentos ou zombaria e agressões não raro também físicas contra crianças e adolescentes, partindo em geral dos próprios colegas — esteve durante meses e meses em séria discussão no Congresso, e isso é uma boa notícia.

Boa notícia porque esse problema, que grassou silenciosamente mundo afora por décadas, só nos últimos anos acabou merecendo esforços de vários países para combater com medidas punitivas quem pratica o bullying, campanhas de esclarecimento destinadas aos pais e educação nas escolas aos jovens, e ações de estímulo para que as vítimas venham a público. E o Brasil, que como de hábito estava atrasado no trato de mais essa questão,  viu finalmente o Congresso trabalhar com diversas propostas em tramitação.

Nem todos os projetos caminharam. Em alguns casos, seus relatores, depois de estudarem a matéria, não concordaram com o conteúdo e propuseram modificações. Houve também projetos que, no fundo, acabavam tratando do mesmo assunto e precisavam ser fundidos em um único.

O importante, porém, é que, além de alguns projetos estarem sendo aprovados em comissão, o assunto, que afeta a um enorme número de crianças e adolescentes mas não é debatido como deveria, sensibilizou os políticos e isto teve consequências. Veja só:

Da Agência Senado

Presente no cotidiano de diversas escolas do país, a prática do bullying — intimidações, humilhações e agressões recorrentes –, vem chamando a atenção dos senadores, que já apresentaram quatro projetos de lei com o objetivo de contribuir para a proteção de crianças e adolescentes.

A criminalização do bullying também é prevista no projeto de reforma do Código Penal (PLS 236/2012), que atualmente passa pela análise de uma comissão especial no Senado, no tipo criminal denominado “intimidação vexatória”.

O tema foi igualmente discutido em audiências públicas. Em novembro de 2011, em debate na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), o promotor de Justiça do Mato Grosso do Sul Sérgio Harfouche disse que a autoridade de professores e diretores deve ser reforçada.

Harfouche sugeriu que a escola tenha o poder de determinar a adoção de medidas disciplinares e educacionais mais rígidas para estudantes que cometerem práticas caracterizadas como bullying.

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Ilustração típica de cena de bullying em escola nos Estados Unidos (Ilustração: @Ricardo Setti com IA)

Projetos de lei

Dos projetos de lei em tramitação, dois são de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS). O PLS 178/09 altera os artigos 3º, 14 e 67 e acresce o artigo 67-A à Lei de Diretrizes e Bases da Educação, com o objetivo de fortalecer a cultura da paz nas escolas e nas comunidades adjacentes. Aprovado em caráter terminativo na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) — ou seja, nos termos da Constituição, sem mais precisar pela votação de todos os senadores, no plenário –, o projeto já está na Câmara dos Deputados.

A proposta altera a legislação para incluir como princípio a ser considerado no ensino a superação de todas as formas de violência, internas e externas à escola, “na perspectiva da construção de uma cultura da paz”.

O projeto também estabelece a periodicidade mínima quinzenal para as reuniões dos conselhos escolares, em horários compatíveis para todos, incentivada a presença de representantes da comunidade local, especialmente das áreas da saúde, segurança, cultura, esportes e ação social.

De acordo com o texto, pelo menos um terço da carga horária semanal remunerada deve ser reservado a estudos, planejamento, avaliação e integração com a comunidade escolar e local. As escolas públicas de ensino fundamental e médio devem ter em seu quadro de pessoal profissionais habilitados na manutenção dos espaços educativos, que incluam o zelo pela segurança escolar e pelas relações pacíficas com a comunidade local.

Violência contra os professores

O PLS 191/2009 (Projeto de Lei do Senado, proposto pelo senador Paulo Paim [PT-RS]), por sua vez, estabelece procedimentos de socialização e de prestação jurisdicional e prevê medidas de proteção para os casos de violência contra os professores “oriunda da relação de educação” — ou seja, ocorrida nas escolas.

O projeto está Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) para exame do relator, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES).

Ferraço pretende rejeitar ou modificar o projeto. Ele alega que a ênfase que o projeto deposita na aplicação de medidas punitivas e repressivas contra os alunos agressores – e de proteção policial e judicial aos professores agredidos – reforça a percepção de que professores e alunos são antagonistas, e não parceiros, na educação.

Uma abordagem mais construtiva, segundo o senador, poderia partir de intervenções de cunho pedagógico, psicológico e socializador que possam abordar diretamente as frustrações e a eventual rebeldia dos alunos; promover a conscientização de professores e alunos acerca da relação de parceria e das suas respectivas responsabilidades no processo educativo; promover uma cultura de paz e, com isso, prevenir a violência.

Nesse sentido, Ferraço considera importante contrastar responsabilidade e hierarquia, compreensão e sujeição, e prevenção da violência e sua repressão, sem prejuízo da aplicação de medidas socioeducativas, caso haja agressões.

Ambiente escolar seguro

Outro projeto, o PLS 228/2010, altera a Lei 9.394/96 para incluir entre as incumbências dos estabelecimentos de ensino a promoção de ambiente escolar seguro e a adoção de estratégias de prevenção e combate ao bullying. De autoria do senador Gim Argello (PTB-DF), o projeto foi aprovado em decisão terminativa na Comissão de Educação em junho de 2011, seguindo para exame da Câmara.

O projeto atribui aos estabelecimentos de ensino a incumbência de adotar estratégias de prevenção e combate a práticas de intimidação e agressão recorrentes na comunidade escolar.

De autoria do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), o PLS 196/2011 também modifica a LDB para dispor sobre o combate ao bullying nas escolas. A matéria aguarda inclusão na ordem do dia desde dezembro de 2011, mas o voto do relator da proposta, senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), é pela prejudicialidade, já que seu conteúdo é muito semelhante ao do PLS 228/2010.

ATUALIZAÇÃO

O trabalho no Congresso acabou produzindo uma fusão de distintos projetos que se transformaram em duas leis. A primeira é a lei nº 13.185, de 6 de novembro de 20 15, mais conhecida como “Lei do Bullying”, que o texto define como “intimidação sistemática”. Essa lei criou o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, que obriga a produção e publicação de relatórios bimestrais das ocorrências de bullying nos Estados e municípios para planejamento de ações de combate à prática.

A segunda lei veio três anos depois, dispondo que as escolas promovam medidas de conscientização e combate de todos os tipos de violência, inclusive a prática do bullying (lei nº 13.663, de 14 de maio de 2018).

Mas o que liquidou mesmo o assunto foi a aprovação de projeto originalmente proposto pelo deputado Osmar Terra (MDB-PR) aprovado sucessivamente pela Câmara dia 20 de setembro de 2024 e pelo Senado a 14 de dezembro também de 2014. O projeto foi sancionado pelo presidente da República, que se tornou a importante Lei nº 14.811, de 2024, publicada no Diário Oficial da União em 15 de janeiro de 2024.

Isso mostra que, quando há uma mínima convergência de interesse público em jogo, é possível – a despeito da polarização política – que se aprovem medidas fundamentais para os brasileiros e que tragam o país para o enfrentamento de problemas graves, mas que por muito tempo ficam sufocados, sem sair à tona.

(Post de Ricardo Setti publicado a 15 de janeiro de 2024)

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Marco Balbi em 05 de novembro de 2012

Setti, permita-me discordar! Mais um assunto para o estado-babá se meter! Desculpe, mas acho tudo isso uma tremenda baboseira! Esmirrado, entrei no antigo ginasial e logo ganhei o apelido de mosquito elétrico. Em seguida constatei uma miopia e virei quatro-olho. E outros tantos ao longo dos anos de estudante, inclusive na Academia Militar. Já imaginou se fosse nos dias de hoje? Eu entraria em depressão e processaria todo o mundo, pelos "sofrimentos" que passei? Meu caro Balbi, há coisas muito mais sérias do que isso ocorrendo nas escolas. Tenho sabido de casos pavorosos. O assunto é sério, no Brasil e em outros países.

Wagner em 05 de novembro de 2012

Corretíssimo Setti, este tema tem que ser tratado de maneira aberta e explicita! Parabéns! Att. Wagner Ferraz

Márcia Maria em 04 de novembro de 2012

É, seu Setti, o Paim já viu uma oportunidade nisso, de malandramente faturar com o assistencialismo, é brabo um cidadão desses sindicalizar qualquer assunto, tudo é remuneração. Saudades do tempo q isso era resolvido voluntariamente por educação religiosa e responsabilidade familiar. Agora o Sr. Paim vem querer resolver essas questão como um mero caso de materialismo.

Marco em 04 de novembro de 2012

Don Setti: Já perdeu credibilidade, esse importante assunto, colocaram o mais belicoso senador sem travas na língua, para tratar desse delicado assunto, o Sen. Paim, q o q mais sabe fazer é impor sentimentos amorosos remunerados corporativistas. E o projeto dele é só para isso. É uma doação para assistentes sociais, um presente remunerado em troca de votos. Como cordialidade. È d ficar espantado. O q se tem q fazer nesse caso é responsabilizar duramente os pais e os alunos com terríveis consequências disso e ponto. Abs. Amigo Marco, para ser bem sincero com você, concordo em que o senador Paim é muito pouco indicado para esse tipo de projeto, porque invariavelmente ele o recheia de seus conhecidos traços demagógicos. De todo modo, o assunto é sério e espero que o Senado aprove alguma legislação que ajude a melhorar a atual situação. Abração

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