“Cadê as propostas do Governo?” – vocifera em São Paulo, do alto de suas suíças hirsutas e grisalhas, o presidente da Central Geral de Trabalhadores, Joaquim dos Santos Andrade, o “Joaquinzão”. A nossa versão tropical da figura de chefão sindical peronista dos anos 50 tem lá sua razão. De fato, no gigantesco e barulhento tiroteio de afirmações, análises, desmentidos, avanços e recuos partidos de Brasília como resposta à crise que sitia a paliçada da Nova República, ninguém mais sabe quem quer o quê.
Tratamento do déficit público, política de juros, congelamento, realinhamento, salário-mínimo, cálculo do índice de inflação, novo choque heterodoxo: não existe, hoje, um único tema importante do pantanoso terreno da crise econômica sobre o qual o governo consiga exibir ao seu público externo uma aparência de unidade. Se está bom para o ministro Dilson Funaro, talvez não sirva ao pessoal do Banco Central. Se o ministro João Sayad gosta deste caminho, vai ver que vai trombar com o que o ministro Almir Pazzianotto acha melhor. O que o ministro Raphael de Almeida Magalhães propõe pode contrariar o que o ministro Marco Maciel acha.
E só Deus sabe o que anda pensando de tudo isso o ministro-geral Leônidas Pires Gonçalves. Quanto ao presidente José Sarney – bem, enquanto toma suas aulinhas de francês e inglês e arranha um castelhano com Fidel Castro, o presidente bem que gostaria de aumentar os salários sem que o empresariado repassasse aos preços, desde, naturalmente, que os empresários continuassem tendo bons lucros, de forma a investir no aumento da produção e ampliar a oferta de empregos. E tudo isso, é claro, sem cortar despesas do Estado e, principalmente, sem fazer a inflação subir.
Se não é exatamente assim, assim parece. E, como sabemos, em política o que parece acaba sendo o que vale. Se não fosse a vitória (terá mesmo sido uma vitória para se comemorar?) isolada nas negociações com o Clube de Paris e os avanços milimétricos que o ministro Pazzianotto, em bom grau por sua conta, risco e mérito, obteve ao sentar-se com trabalhadores e patrões durante mais de duas semanas, o Governo teria completado, desde o Cruzado-II, dois longos meses na sempre penosa condição de barata-tonta. (Deixemos de lado, a “Missão Sarney” de que o ministro Paulo Brossard se desincumbe, desfilando seus incríveis chapéus e gravatas pelas capitais do país afora. Até agora, que se saiba, nem um único governador de Estado entendeu o que, afinal, o Ministro está indo fazer em suas viagens).
Como parece não saber o que propor, exatamente, à nação, o Governo faz reuniões. Baixou na Nova República a síndrome da pajelança. O Conselho de Desenvolvimento Econômico, empoeirada instituição da Velha República, sai do armário. Uma revoada de governadores pousa em Brasília. O dr. Ulysses Guimarães, os ministros econômicos e os novos governadores fazem assembléia-geral. O presidente José Sarney discute os destinos da nação em gigantesco jantar de meia centena de talheres no Alvorada. Emerge da toca, também, o Conselho de Desenvolvimento Social. E por aí vai.
A pajelança, no terreno da ciência, é um ritual que pode merecer um criterioso estudo antropológico. É o que talvez pudesse ter sido feito quando o cacique Raoni tentou salvar a vida do grande preservacionista Augusto Ruschi. Mas – e o bom cacique que nos perdoe -, quando sai da selva e vem para o asfalto, e sobretudo quando baixa em cima da política, a pajelança parece perder parte considerável de seus eflúvios. Em certas circunstâncias, deve-se admitir de pronto, ela não adianta francamente nada.
Veja-se, por exemplo, o caso do governador Leonel Brizola e sua “pajelança da vitória” do PDT carioca, que visava, dias antes do 15 de novembro, levar o professor Darcy Ribeiro – que por coincidência é antropólogo – ao Palácio Guanabara. Deu no que deu.
No caso presente, é preciso que o morubixaba dos homens brancos ponha ordem na pajelança. Só dançar em volta da fogueira não vai ganhar a luta contra o veneno do sapo dendrobata da crise.
É preciso, para isso, que o morubixaba faça parar o alarido de seu conselho de sábios e diga para onde, afinal, quer levar a tribo.
(Artigo de Ricardo Setti, de São Paulo, publicado no Jornal do Brasil em 25 de janeiro de 1987)