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O deputado federal Luiz Bronzeado [Arena-PB] , acusado de participação no sequestro do cidadão grego Hipocratis Takapoulos, disse ontem em Brasília que o chefe do Departaento Federal de Segurança Pública, general Riograndino Kruel “está provocando este escândalo internacional para se firmar na direção do DFSP [precursor da Polícia Federal]“, acrescentando ainda que o general “tem horror a deputado e horror ao Congresso Nacional”.

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Foto do deputado Luiz Bronzeado em sua ficha parlamentar na Câmara dos Deputados (Foto: @Câmara dos Deputados) (Foto: @Câmara dos Deputados))

Afirmou também “ser provável” que venha a mover ação penal contra a autoridade pelas acusações que lhe fez, mafestando que assim agirá após o depoimento do general Riograndino Kruel perante a CPI constituída ontem na Câmara para apurar minuciosamente o assunto. Sublinhou que pôs a Câmara à vontade para apreciar seu pedido de licença para ser processado, dizendo que vai se empenhar junto a seus pares, no sentido da concessão dessa licença, “para que tudo seja posto em pratos limpos’.

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O general Riograndino Kruel, em foto oficial (Foto: @Polícia Federal)

Disse, por outro lado, que não viajou para a Europa como agente da Interpol, qualificando a informação nesse sentido dada pelo DFSP como “grosseira mentira”. Viajou, segundo explicou, na qualidade de advogado do garimpeiro João Barbosa Sobrinho, em viagem de caráter exclusivamente particular.

Finalmente, o sr. Luiz Bronzeado confirmou ter o general Riograndino Kruel desmentido ao deputado Adaucto Lucio Cardoso [Arena-GB], presidente da Câmara, que fosse pedir a cassação do seu mandato. Segundo disse, o general Kruel garantiu ao sr. Adaucto Lucio Cardoso que jamais cometeria “tal leviandade”.

Castelo atento

Sabe-se que o presidente Castelo Branco está vivamente empenhado na solução do caso, tendo nesse sentido dado instruções ao general Riograndino Kruel. O presidente, no entanto, não quer se imiscuir pessoalmente no assunto, deixando tudo a cargo do diretor-geral do DFSP, embora deseje ficar a par do desenvolvimento do tema.

Ministro opina

O ministro Mem de Sá, da Justiça, por sua vez, falando ontem, aos jornalistas credenciados em seu gabinete a propósito da participação do deputado Luiz Bronzeado no sequestro do grego Hipocratis Takapoulos, esclareceu que “o DFSP já iniciou inquérito a respeito e naturalmente, depois de concluído, será enviado à Justiça. Daí, então, poderão ser tomadas providencias cabíveis no caso”.

O ministro da Justiça recusou-se, no entanto, a emitir qualquer opinião sobre o assunto, dizendo ainda que “por sinal o próprio deputado já solicitou, à Câmara, licença para ser processado na Justiça, bem como pediu a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar devidamente os fatos, segundo soube”. Finalizou o sr. Mem de Sá afirmando que o assunto não lhe compete diretamente, embora o DFSP seja subordinado ao Ministério da Justiça, e que não está exatamente a par de todos os pormenores do caso para manifestar seu ponto de vista.

Inquérito

Por sua vez, a esposa do delegado Egberto Assunção, preso pelo DFSP sob a acusação de haver sequestrado e torturado o [cidadão] grego Hipocratis Takapoulos [para obter o diamante que estaria em seu poder], não prestou ontem depoimento perante a Comissão de Inquérito da Polícia Federal, presidido pelo delegado Walmores Barbosa, como estava previsto inicialmente. Segundo se informou no DFSP, ela não depôs por motivos de saúde.

Enquanto isso, continuam presos o delegado, o garimpeiro, os dois policiais que auxiliaram o delegado e os dois advogados do garimpeiro. Continua-se aguardando a prisão de mais implicados, inclusive da mulher do delegado Assunção que, segundo o Hipocratis, participou ativamente do caso, tendo inclusive ajudado a torturá-lo.

Câmara

A Mesa da Câmara, por seu turno, não se manifestou ainda sobre o pedido de licença para abertura de processo contra o deputado Luiz Bronzeado. Como se recorda, o deputado é proprietário de duas fazendas, nas quais Hipocratis esteve recolhido e onde foi barbaramente seviciado [nota: o Estadão vedava aos jornalistas o uso da palavra simples e correta para o caso, “tortura], sendo por isso acusado pelo DFSP de conivência com o delegado Assunção, para se apossar do “Diamante 007”. O deputado afirma que a presença de Hipocratis em suas propriedades deveu-se ao fato de estar ele, deputado, à época, auxiliando a polícia nas diligências para encontrar o diamante, razão pela qual cedeu suas fazendas para que o [cidadão] grego nelas fosse recolhido enquanto o DFSP empreendia atividades pelo interior, à cata da pedra.

O grego

O grego Hipocratis Takapoulos continua recolhido ao posto médico do Batalhão da Guarda Presidencial, recuperando-se dos cruéis castigos que lhe foram impostos pelo delegado Assunção e colaboradores. Hipocratis foi submetido a exame médico legal por [profissionais de] três instituições: do próprio Serviço Médico do Exército, do SAMDU e do Instituto Médico Legal. Seu corpo guarda os sinais das inumeráveis torturas físicas de toda espécie que sofreu durante os cinco meses em que esteve em poder do delegado Assunção, desde que foi por este retirado da prisão, em 9 de janeiro último, até quando foi encontrado pelo DFSP, dias atrás.

Durante esse período permaneceu algemado, sofrendo profundos ferimentos nos pulsos, não tendo durante todo esse tempo se banhado, escovado os dentes ou se submetido a qualquer processo de higiene. Sofreu ainda torturas morais, pois seus sequestradores diziam ter raptado também sua mulher e um de seus filhos, aos quais teriam submetido a toda sorte de vexames e torturas.

Hipocratis, que tem recebido a visita de seu advogado, Inezil Penna Marinho, apresenta agora melhor aspecto físico, porém ainda afetado em consequências dos maus tratos. Afirma agora que o “Diamante 007” não passava de um “belíssimo cristal” e que só constatou isso em Atenas, onde tentou vendê-lo.

Mourão desmente

Ante recentes notícias publicadas em alguns jornais, o diretor geral do Departamento Federal de Segurança Pública, general Riograndino Kruel, recebeu do general Olimpio Mourão Filho, ministro do Superior Tribunal Militar, telegrama em que este afirma que “alguns jornais vêm me atribuindo várias declarações inverídicas, pois nada tenho declarado ultimamente”, acentuando que “o que me atribuem hoje, relativamente ao prezado amigo, é totalmente falso”. Em resposta, o general Riograndino Kruel dirigiu ao general Mourão Filho telegrama agradecendo “sensibilizado o desmentido constante”, e frisando que “as notícias publicadas em alguns jornais jamais me preocuparam, por saber ser impossível partirem do estimado camarada”.

Governo grego pede proteção

Entrementes, porta-voz do Ministério do Exterior da Grécia informou que o governo de seu país pediu ao Brasil proteção legal a Hipocratis. Outras informações, provenientes de Atenas, esclarecem ainda que o diamante está depositado num estabelecimento bancário da capital grega, enquanto as autoridades investigam o caso, para determinar se Hipocratis foi culpado de exportação ilegal da gema, em diligências feitas a pedido de autoridades brasileiras.

Ainda em Atenas, o advogado de Hipocratis afirma ter seu cliente sido enganado comprando como diamante um grande e belo cristal, que está depositado em Atenas e constituiria prova de sua inocência.

Estranha carta

A mãe do grego sequestrado em Brasília, sra. Takapoulos, informou, por sua vez, ter recebido em Atenas, há algum tempo, a visita de duas pessoas que lhe entregaram uma carta do filho, na qual pedia que as deixasse procurar no jardim de sua vila, num subúrbio da capital grega, um diamante que estaria enterrado sob uma determinada árvore. Acrescentou que, desconfiada, comunicou o fato à Polícia e que os dois homens, à aproximação dos policiais, fugiram.

Reportagem de Ricardo Setti, de Brasília, publicada no jornal O Estado de S. Paulo a 15 de junho de 1966 sob o título original de “Parlamentar envolvido faz acusação ao chefe do DFSP”)

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