Amanhã [15 de novembro de 1968] há eleições em 11 Estados brasileiros. Cêrca de 11 e meio milhões de eleitores escolherão prefeitos e vereadores em 1.386 munícipios. Não se esperam, na área política, grandes modificações em decorrência da eleição. Na verdade, contudo, por estranho que pareça, o MDBpoderá ampliar seus quadros de maneira considerável, ainda que isto pouco altere as coisas.
O MDB teve origem nos frangalhos de oposição que havia logo depois da extinção dos partidos políticos, em virtude do Ato Institucional número 2 [a 27 de outubro de 1965]. Não tem ainda três anos de idade, pois. Acontece que, na maioria dos Estados, a situação política atual ou é anterior à criação do MDB como partido, ou é produto de eleições realizadas já depois da existência do partido, mas na vigência dos atos institucionais.
Tanto em uma como em outra alternativa a situação do partido oposicionista não ficou muito animadora. Em boa parte dos municípios, os atuais prefeitos são da Arena [do regime militar] por adesão pura e simples. Eram na maioria do PSD e da UDN, ou do PDC, ou do PSP, mas também do PTB, do MTR, do PTN e até do PSB. Dos que ficaram no MDB, uma parcela ponderável ficou por tudo, menos por convicção ideológica. Isto, antes da criação do MDB.
Depois da criação do MDB, o partido chegou a concorrer a eleições municipais em alguns Estados. Mas quase não tinha diretórios, quase não tinha candidatos, faltavam recursos, faltava até vontade. Além do mais, havia o Ato Institucional número 2 em cima da cabeça da oposição, ameaçando com cassações.
Hoje, a situação já não é a mesma. As cisões internas na Arena, a vigência da Constituição, a estruturação do MDB em alguns Estados e em muitas cidades, a insatisfação geral e o tempo se encarregaram de aumentar as possibilidades eleitorais da oposição.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, o MDBnão chega a ter vinte por cento das prefeituras, em consequência principalmente de cassações e “impeachments” que remontam ao início do movimento de 1964. No entanto, tem comprovadamente 50 por cento do eleitorado [segundo levantamentos de opinião]. Deve, pois, melhorar.
Coisa parecida acontece no Paraná, onde as cassações, as adesões, as prorrogações e outros “ões” reduziram o MDB a um único prefeito em todo o Estado e seus 206 municípios. A oposição pode melhorar, pode ganhar 40 ou mais prefeituras, algumas das quais importantíssimas – provavelmente Londrina, Maringá, Paranavaí, talvez Ponta Grossa.
Em São Paulo, conquistará Santos, talvez Ribeirão Prêto, São Vicente, Campinas, Sorocaba. Na Paraíba, Campina Grande. Em todos os Estados haverá uma melhorazinha.

Mas não se pensa, com isso, que o MDB esteja representando alguma coisa. Como disse o senador Adolfo de Oliveira Franco [Arena-PR], a insatisfação popular, indiscutível, com o govêrno, vem fazendo que, nos grandes centros, mais imunes ao voto de cabresto e às investidas dos “coronéis”, o eleitorado se incline para a oposição, como forma de manifestar seu desagrado.
Basta que o MDB, nos centros mais populosos, se organize um pouco, lance um candidato com alguns recursos, tenha fundos razoáveis, para as pesquisas indicarem seu favoritismo. No interior, de um modo geral, predominam práticas eleitorais que, com variações pequenas, são as mesmas de há trinta e tanto anos. Quer dizer, a Arena, o poder, o govêrno, ganham fácil.
O pequeno aumento dos contingentes do MDB talvez seja o resultado numérico das eleições. Isso não fará, porém, que passe despercebido o grande índice de abstenção. A descrença no bipartidarismo e no regime serão, sem dúvida, a nota dominante, e provavelmente, a lição a se extrair.
Amanhã há eleições. Onze Estados brasileiros. Cêrca de 11 milhões e meio de eleitores. Mais de mil e trezentos municípios. Os números, à primeira vista, dão a impressão de uma vitalidade democrática que, na realidade, não existe. Na verdade, a opinião pública espera as eleições com um bocejo de tédio.
(Artigo de Ricardo Setti, de Brasília, para o Jornal da Tarde, de São Paulo, publicado a 14 de novembro de 1968 sob o título original de “Por trás dos números, o bocejo nacional)