
Ainda vai ter muita repercussão o episódio da espantosa nota do Centro de Comunicação Social do Exército que, diante do aparecimento de supostas fotos do jornalista Vladimir Herzog preso no extinto DOI-Codi antes de ser ali assassinado, em 1975, enaltece a ditadura e justifica a repressão.
A nota, como se sabe, foi posteriormente desautorizada pelo comando do Exército e substituída por outra, conciliatória. Mas, além de toda a discussão que o episódio desatou, envolvendo o acesso público ou não à documentação da ditadura militar, bem como a ampliação do ultra-restrito acesso a qualquer tipo de documentos do Estado brasileiro, há aspectos pouco explorados que precisam ser aprofundados.
Por exemplo: que tipo de formação têm os militares no Estado democrático que é hoje o Brasil – como corretamente indagou, na Folha de S. Paulo, Vinicius Torres Freire? Está correta a distribuição territorial das Forças Armadas? Elas têm a dimensão, a capacitação e o poderio que deveriam ter? Qual é, afinal, o papel que lhes cabe numa democracia?
As Forças Armadas, na verdade, pouco mudaram em seus fundamentos, estrutura e funcionamento desde o fim do regime militar, em 1985. Um grande e corajoso progresso – a criação do Ministério da Defesa pelo governo Fernando Henrique, em 1999, com um civil comandando os militares e os chefes das Armas perdendo o status de ministro – representou apenas um primeiro passo. Faltam muitos outros.
Na Espanha, mudanças
Por comparação, na Espanha saída de 36 anos da ditadura do general Francisco Franco (1939-1975), por exemplo, o governo democraticamente eleito do primeiro-ministro Adolfo Suárez iniciou em 1977 um processo de adaptação que incluiu a mudança, sob supervisão do Parlamento escolhido pelo povo, dos currículos das academias militares e passou pela realocação das tropas no território espanhol. Durante a ditadura, o grosso das forças militares estava disposto de forma a defender a capital, Madrid, contra sublevações (que nunca ocorreram).
No Brasil, a maior unidade do Exército em todo o país não fica na Amazônia, vigiando os guerrilheiros colombianos, ou junto à perigosíssima fronteira com o Paraguai – mas na Vila Militar, em pleno Rio de Janeiro.
A culpa é do eleitor
Tudo bem que o tom da campanha pela reeleição de Marta Suplicy (PT) à Prefeitura de São Paulo seja, agora, conforme decisão da própria prefeita, a “emoção”. Daí a culpar os eleitores, porém…
Foi o que fez a prefeita, meio sem perceber, em meio às declarações de que seu rival José Serra (PSDB) “não teria a mais leve chance” se não tivesse o apoio do governador tucano Geraldo Alckmin. A prefeita – que se mostra realmente perplexa com os rumos das pesquisas de intenção de voto – voltou a dizer que não entende as razões da vantagem de Serra, mas deu uma pista ao queixar-se de que “as pessoas esquecem os benefícios que receberam” e que isso “é uma injustiça”.
Até aqui, Marta vinha atribuindo sua situação nas pesquisas a uma campanha “suja” dos tucanos, à atuação da imprensa – sim, haveria uma conspiração generalizada de donos de veículos, diretores, editores e repórteres para prejudicá-la – e a uma suposta “perseguição” a ela por “ser mulher”. Não deixa, portanto, de representar um progresso atribuir os números desfavoráveis a quem de direito: os eleitores.
“Estadão” dixit
De um editorial do jornal “O Estado de S. Paulo”: “No fundo, as últimas manifestações de Marta ecoam o fato de os petistas considerarem inadmissível que os seus adversários tentem vencê-los nas urnas”.
Sufoco no corpo-a-corpo
Deve estar sendo difícil para os marqueteiros de Serra a seleção de imagens do candidato no meio do povão. Mesmo tendo feito uma campanha com grande dose do chamado corpo-a-corpo, basta acompanhar por algumas horas o candidato para perceber seu visível desconforto diante de criancinhas e rostos de mulheres a serem beijados e de mãos ávidas por apertar a sua.
Em situações do gênero, até FHC ficava mais à vontade.
Arcas de Noé
Por falar em FHC – que cumpre compromissos nos Estados Unidos e estará neste domingo, 31, em São Paulo para votar em Serra –, pode ser muito engraçada sua recente tirada de comparar a política de alianças do PT a uma “arca de Noé”.
Como classificar, porém, a linha de alianças dos dois governos do próprio FHC? Não custa lembrar que se tratava de uma salada tão eclética que, nas eleições para o governo de São Paulo, em 1998, o presidente aparecia nos outdoors dos dois candidatos que se enfrentaram no segundo turno: o governador Mário Covas (PSDB), candidato à reeleição, e seu arqui-rival Paulo Maluf (PP).
Pirataria de Havaianas
Exportadas para 66 países e fabricadas pela empresa brasileira Alpargatas, as sandálias Havaianas estão sofrendo os inevitáveis efeitos da pirataria: na Espanha, onde viraram uma febre nacional, começam a perder mercado para uma contrafação que é quase cópia exata, custa menos e leva a marca, com caracteres semelhantes à original, de “Baianas”.
Com sotaque
Não bastasse, as “Baianas” são feitas na Argentina.
Como um passarinho
O Supremo Tribunal Federal já livrou de um dos processos em que era denunciado um dos juízes federais acusados pela Polícia Federal e o Ministério Público de envolvimento num tenebroso caso de venda de sentenças a criminosos.
Certamente há boas razões jurídicas para isso, mas, pelo andar da carruagem, é difícil escapar da constatação feita aqui mesmo no NoMínimo por Augusto Nunes: no Brasil, paraíso da maracutaia, o Supremo é muito mais de soltar do que de prender.
Maluf, baixaria e processo
Uma beleza, nossas leis eleitorais. Processado por José Serra (PSDB) na Justiça Eleitoral por ter sido chamado de “vampiro da baixaria” em entrevista à Rede Record de Televisão, Paulo Maluf (PP) disse no TRE de São Paulo que “não quis ofender ninguém” – e pronto: caso encerrado.
Números relevantes
A cada três minutos a polícia apreende uma arma de fogo na cidade de São Paulo.
Números irrelevantes
O novo avião do presidente Lula, o Airbus Corporate Jetliner (ACJ), que será entregue em dezembro à Força Aérea Brasileira (FAB) pela fábrica européia, tem 11,7 metros de altura.
Ronaldo faz história
O casamento, em janeiro próximo, do craque Ronaldo com a modelo Daniella Ciccarelli parece estar obscurecendo o fato de que o “Fenômeno” está fazendo história. Ronaldo tinha 53 gols marcados pela seleção brasileira e, ao fazer o primeiro dos três da seleção contra a Bolívia, no dia 5 de setembro, igualou-se aos 54 de Romário.
Marcando dois contra a Venezuela, no dia 9 de outubro, em Maracaibo, passou à frente do Baixinho – e o Baixinho, há anos alvo de injustiças e preconceitos por parte de dirigentes e técnicos medíocres, amargou naquele dia a perda do posto de segundo maior artilheiro da seleção em jogos oficiais em todos os tempos, atrás apenas de Pelé.
A 21 gols do Rei
Ronaldo, com 56 gols, vê-se agora a 21 de distância de sua meta de alcançar o Rei em jogos oficiais.
Cultura geral
Por falar em Ronaldo, frase de sua noiva, Daniela Ciccarelli, no domingo, 24, em seu programa “Daniella Cicarelli no País da MTV”, ao encontrar um técnico que trabalha na emissora desde sua fundação, muito querido do elenco, e antes de clicá-lo com sua câmara digital:
– Seu Benito, vem cá, vamos fazer uma foto para a prosperidade.
Ronaldinho é o 15º
Voltando às estatísticas, devagarzinho, devagarzinho, Ronaldinho Gaúcho vai chegando lá. Embora tenha passado em branco na goleada de 5 a 2 contra a Venezuela, a 9 de outubro – a partida seguinte seria o 0 a 0 contra a Colômbia, quatro dias depois –, com aquele gol de falta contra a Alemanha, em Berlim, no dia 8 de setembro, ele atingiu a marca de 20 com camisa amarela.
Ronaldinho já é o 15º maior goleador da seleção, igualando-se a Roberto Dinamite e a Didi, a somente um gol de empatar com Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”, e a dois de atingir o mesmo número de Jair da Rosa Pinto e Sócrates.
Ampulheta
Faltam 364 dias para o presidente Lula completar 60 anos e, de acordo com o Estatuto dos Idosos, tornar-se um.
Sacrilégio
Pouca gente no cenário político-gastronômico de São Paulo percebeu, mas o deputado Delfim Netto (PP-SP), aqui e ali, troca a sacrossanta mesa cativa de que dispõe há pelo menos década e meia no fabuloso restaurante Massimo, na região dos Jardins, por outra no discreto bistrô Le Vin, distante não muitas quadras.
Diferentemente do paletó-e-gravata sóbrios que ostenta no Massimo, Delfim almoça de roupa esporte no Le Vin.
De novo a BR-116
Em meio à torrente de propaganda sobre realizações do governo federal em São Paulo que despejou na TV para ajudar a prefeita Marta Suplicy, o Planalto incluiu a duplicação da rodovia BR-116 no trecho – crucial para a economia do país – entre a capital paulista e Curitiba.
Mas é uma figura de linguagem dizer que se trata de obra do governo Lula. A BR-116 desafiou seis mandatos presidenciais. Arranhou-se o problema no governo do general João Batista Figueiredo (1979-1985). No começo da gestão José Sarney (1985-1990), com pompa, circunstância e fanfarras, num palanque recheado em que estavam o presidente, governadores, o doutor Ulysses Guimarães e uma penca de outros políticos, lançaram solenemente na divisa entre São Paulo e Paraná uma espécie de pedra fundamental da obra, com a promessa de terminá-la em dois anos.
Passados 19 anos, e um ano e meio desde que Lula mandou dedicar “total prioridade à obra”, a estrada ainda não ficou pronta.
Requião x Richa
O pedido de licença do cargo do governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), para entrar a pleno vapor na campanha de seu candidato a prefeito de Curitiba, Ângelo Vanhoni (PT), tem uma explicação pessoal, além da política: Requião não se conforma de jeito nenhum com a vantagem nas pesquisas de intenção de voto de Beto Richa (PSDB), atual vice-prefeito, um adversário que é quase desafeto pessoal e de quem Requião diz dito barbaridades – algumas delas impublicáveis – desde que os dois se enfrentaram na eleição para o governo estadual, em 2002.
O curioso é que o governador é, de alguma forma, cria política do pai de Beto, o falecido governador (1983-1987) José Richa. No auge do prestígio como governador, Richa foi um dos esteios da vitória do então deputado estadual Requião na eleição para prefeito de Curitiba, em 1985.
Jogo pesado
Essas coisas são comuns na pesada política do Paraná. Richa pai apoiou o hoje senador Álvaro Dias (PSDB) para a sua sucessão, e os dois depois romperam. Dias, por sua vez, ajudou em 1990 a eleger Requião, que viria a se tornar seu inimigo pessoal.
Amazonino, Íris e César
Três ex-governadores de Estado tentam, neste domingo, 31, tornar-se prefeitos de suas capitais: Amazonino Mendes (PFL), em Manaus, César Borges (PFL) em Salvador e Íris Rezende (PMDB) em Goiânia.
César Borges parece o único sem chances de vitória, embora tenha o consolo de mais quatro confortáveis anos no Senado.
Os atualmente sem-mandato Amazonino e Íris, além de governadores, já foram também prefeitos.
Assim será
Seja na maioria das 44 cidades brasileiras que, com segundo turno na eleição para prefeito, apresentam grande equilíbrio entre os candidatos, seja nos Estados Unidos, que escolhem seu presidente também em situação de empate técnico, vai ser como sempre é: os indecisos decidirão.
(Post originalmente publicado a 28 de outubro de 2004 por Ricardo Setti, de São Paulo, no extinto site www.nominimo.com.br, com uma característica que o autor só manteve neste veículo: a ideia era ser um artigo semanal, mas acabou se tornando um híbrido – um artigo de abertura e várias notas mais “leves”, em geral em torno da política].