Um funcionário eletrocutado no conserto de ar condicionado e um motorista morto num acidente, ambos terceirizados, receberam post-mortem o Colar do Mérito Judiciário do do Tribunal de Justiça do Rio, junto a outras 32 personalidades, incluindo ministros dos tribunais superiores, magistrados, deputados, um jornalista e pessoas de outros setores. A solenidade foi presidida pelo presidente do TJ do Rio, desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos.
Mas, em omissão espantosa, o Tribunal do Rio se “esqueceu” da corajosa e firme juíza Patrícia Acioli, do Fórum de São Gonçalo (RJ), assassinada em Niterói com 21 tiros por policiais ligados às milícias que ela investigava e mandava prender. Ou seja, morta devido ao cumprimento corajoso de seu dever.
A doutora Patrícia tinha fama de “martelo pesado” na aplicação de penas a bandidos e já enviara para atrás das grades, ao longo de sua carreira em São Gonçalo, mais de 60 policiais envolvidos em atividades criminosas.
Inquérito da Polícia Civil do Rio concluiu que a juíza Patrícia foi massacrada a tiros por um grupo liderado por um oficial da PM, um tenente — Daniel dos Santos Benitez Lopes –, com a participação de dois cabos, Sergio Costa Junior e Jefferson de Araújo Miranda. Eles cometeram o crime para evitar que a juíza expedisse ordem de prisão contra o grupo devido a sua participação na morte do jovem Diego de Souza Beliene, de 18 anos, numa favela de São Gonçalo. Por uma trágica ironia, horas antes de ser trucidada por 21 tiros, porém, a juíza já havia emitido a ordem de prisão.
(Post de Ricardo Setti, de São Paulo, originalmente publicado a 28 de novembro de 2011 no blog que o autor manteve entre 2010 e 2015 no site da revista VEJA)
6 Comentários
e o Rio de Janeiro continua... o mesmo
A grande verdade é que o TJRJ deveria também estar atrás das grades junto com os assassinos da juíza.
Já que o TJRJ 'esqueceu' de condecorar uma Juíza exemplar, que promova então uma condenação rápida e exemplar dos seus algozes. Esta, sim, seria uma homenagem à altura para a Dra. Acioli. Medalhinhas não lhe serviriam mais prá nada.
. Partindo do Poder Judiciário (não só do RJ), nada deve surpreender. .
Eu ia comentar mais esse comportamento vergonhoso da direcao do TJRJ. Mas o Reynaldo-BH ja escreveu tudo o que eu ia escrever. Assim, endosso totalmente suas palavras. Ele exauriu o assunto. Um abraco.
Dra. Patrícia foi executada pelas mesmas mãos que recebiam dinheiro da corrupção policial. Os armas que abaterem a juíza foram municiadas pela inação dos responsáveis pela Justiça e pela Segurança Pública. A corrupção que produz ministros e aparelha o estado brasileiro é a mesma que incentiva o homicídio de quem, sem a devida proteção do mesmo estado que tem obrigação fornecer, é o representante último da defesa do estado de direito. Quem foi abatido covardemente não foi somente uma juíza corajosa e ciosa de seus deveres. Foi a cidadania. Não era e nem é figura de retórica. Os fatos comprovam. O Conselho Nacional de Justiça divulgou que nos últimos três meses, o número de juízes ameaçados pulou de 100 para 150 no Brasil. Coincidência? Ou ameaçar juízes - e mesmo eliminarem no caso extremo - não é incentivado pela leniência do poder estatal? Que não protege. Que envolve até coronéis da Polícia Militar, como no caso da dra. Acioli. Os bandidos assassinos da juíza esperam julgamento em presídio especial. Aquele mesmo que foi objeto de reportagem pela encomenda de cervejas e carnes de churrasco, para os presos! A impunidade é a mãe da barbárie. E a corrupção o alimento desta. O TJRJ ao se "esquecer" de prestar a homenagem mínima a quem sempre honrou o cargo e função que ocupava incentiva a impunidade, condena a juíza, alimenta a corrupção e passa um recado claro à sociedade: existem juízes e juízes. Uns, com sólidas carreiras amparadas por políticos e interesses diversos, chegam ao STF. Outros, são executados sob a complacência do Poder Judiciário. O que distingue uns de outros? Honestidade, coragem, senso de justiça, orgulho das funções que desempenham e isolamento dos poderes políticos que poderiam protegê-los. A homenagem que dra. Patrícia não recebeu de seus superiores hierárquicos não fará falta. Pelo que conheci da juíza, seria relegada a um terceiro plano. Homenagear dra. Patrícia só teria sentido se sua morte prematura servisse de alerta e de compromisso de mudanças no Poder Judiciário. Não é o caso. Mais 50 juízes estão na lista negra dos ameaçados. Neste caso, como uma homenagem a quem se "esqueceu" de homenagear uma mulher de coragem.